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Obrigatória a participação da Funai nas ações de destituição de poder familiar que envolve criança indígena
Advogado Direito Processual Civil Direito Constitucional Familia Criança e adolescente

Publicado em 20/10/2020 13:52:16

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu ser obrigatória a intervenção da Fundação Nacional do Índio (Funai), nas ações relacionadas à destituição do poder familiar e à adoção de crianças ou adolescentes indígenas, ou cujos pais são de origem indígena para assegurar que sejam consideradas e respeitadas a identidade social e cultural do povo indígena, os seus costumes e tradições, bem como para que o menor seja colocado, de forma prioritária, no seio de sua comunidade ou junto de membros da mesma etnia.

Baseado no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) , a orientação foi estabelecida após análise da ação em que uma mulher indígena foi destituída do poder sobre suas duas filhas, o qual o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul concluiu que houve abandono material e psicológico. Segundo o Ministério Público, a mãe é alcoólatra e usuária de drogas, e recusou o apoio da assistência social.

A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, afirmou que, «Por se tratar de órgão especializado, é a Funai que reúne as melhores condições de avaliar a situação do menor de origem indígena, não apenas à luz dos padrões de adequação da sociedade em geral, mas, sobretudo, a partir das especificidades de sua própria cultura, o que influência, inclusive, na escolha de uma família substituta de tribo que possua maiores afinidades com aquela da qual se origina o menor».

A mãe alegou em recurso especial violação aos artigos ECA, art. 28, § 6º e ECA, art. 161, § 2º sob o fundamento de que, em se tratando de crianças de origem indígena, seriam obrigatórias a intervenção da Funai e a realização de estudo antropológico.

Ocorre que após a interposição do recurso especial, sobreveio a Lei 13.509/2017. De acordo com o novo texto, explicou a ministra que, nas hipóteses de suspensão do poder familiar liminar ou incidentalmente é obrigatória a participação de representantes do órgão federal responsável pela política indigenista.

Destacou também que a intervenção obrigatória da Funai tem caráter de ordem pública, na medida em que resguarda valores e objetivos político-sociais caros à sociedade e, por isso, possui caráter «imperativo e inderrogável».

Para a ministra, as regras expressas no ECA demonstram a preocupação do legislador em conferir às crianças de origem indígena tratamento realmente diferenciado, com base no fato de pertencerem a uma etnia minoritária, historicamente discriminada e marginalizada no Brasil, tratando-se de dispositivos que concretizam os artigos da CF/88, art. 277 e CF/88, art. 231.

«Além de oferecer proteção efetiva aos menores de origem indígena, reconhecendo-se a existência de uma série de vulnerabilidades dessa parcela populacional, não se pode olvidar que o ECA também pretende adequadamente tutelar a comunidade e a cultura indígena, de modo a minimizar a sua assimilação ou absorção pela cultura dominante».

No caso em exame, diante da situação grave, ressaltou a ministra que há provas robusta de que a mãe não possui mínimas condições de exercer o poder familiar. Ainda que não tenha havido participação da Funai, não se justificaria anular integralmente o processo para que ela pudesse intervir desde o princípio.

Ao negar provimento ao recuro da mãe, a ministra Nancy Andrighi concluiu que daqui em diante, é indispensável haver «a efetiva participação da Funai em quaisquer procedimentos ou ações que envolvam as referidas menores, inclusive em eventuais ações de adoção que estejam em curso, assegurando-lhes a possibilidade de resgate ou manutenção da cultura indígena».

Número do processo não divulgado em razão de segredo de justiça.