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Cabe aplicação de astreintes ao WhatsApp por descumprimento de decisão judicial de quebra de sigilo de dados?
Advogado Direito Processual Civil Direito Constitucional Direito Digital

Publicado em 10/02/2021 11:30:37

Em julgamento ao RMS 60.531, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça analisou caso em que o WhatsApp argumenta incapacidade técnica para cumprir decisão judicial de quebra de sigilo de dados, em razão da utilização da criptografia de ponta a ponta.

O aplicativo também sustentou que impor multa pelo descumprimento de obrigação impossível implica ato ilegal e violador de direito líquido e certo.

De acordo com o relator, embora a possibilidade de aplicação, em abstrato, da multa cominatória tenha sido reconhecida, por maioria, no REsp 1.568.445, no presente caso, o objeto de controvérsia é a alegação, pela empresa, da impossibilidade técnica de obedecer à determinação do Juízo.

A criptografia de ponta a ponta, utilizada pelo aplicativo, permite a proteção de mensagens, fotos, vídeos, mensagens de voz, atualizações de status, documentos e chamadas. Esse conteúdo pode ser acessado somente pelo remetente e o destinatário.

Nesse tipo de criptografia “dois tipos de chaves são usados para cada ponta da comunicação, uma chave pública e uma chave privada. [...] Cada pessoa possui um par de chaves, que são complementares.” Dessa forma, somente com o uso das duas chaves (pública e privada) é possível descriptografar o conteúdo, o que torna impossível a leitura dos dados criptografados por “hackers, governos e até mesmo o servidor por meio do qual os dados são enviados.” (COUTINHO, Mariana, 2021)

Resta claro, a impossibilidade técnica da quebra de sigilo de dados pelo aplicativo, em face do sistema de criptografia acima explicado.

Embora a Lei 13.709/2018, Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) traga em seu art. 4º a possibilidade da quebra do sigilo, nas investigações penais, afastando a regra geral do sigilo de dados, deve-se compreender que as empresas que utilizam mecanismos para proteção à liberdade de expressão e comunicação privada, por meio da criptografia de ponta a ponta, estão protegendo direitos fundamentais (CF/88, art. 5º, IX e X).

Além disso, em discussão sobre o assunto, o Ministro Edson Fachin, na ADPF 403, e a Ministra Rosa Weber, na ADI 5527, ambas aguardando julgamento, chegaram à mesma conclusão de que o ordenamento jurídico brasileiro não autoriza, em detrimento da proteção gerada pela criptografia de ponta a ponta, que beneficia a liberdade de expressão e direito à intimidade, sejam os desenvolvedores da tecnologia multados por descumprirem ordem judicial incompatível com encriptação.

Portanto, ponderando que os benefícios advindos da criptografia de ponta a ponta se sobrepõem às eventuais perdas pela impossibilidade de se coletar os dados das conversas dos usuários da tecnologia, decidiu a Terceira Turma pela ilegalidade da imposição de astreintes ao WhatsApp.

Esta notícia refere-se ao processo: RMS 60.531

Referências:

COUTINHO, Mariana. O que é criptografia de ponta a ponta? Entenda o recurso de privacidade. Tectudo. Disponível em: https://www.techtudo.com.br/noticias/2019/06/o-que-e-criptografia-de-ponta-a-ponta-entenda-o-recurso-de-privacidade.ghtml. Acesso em: 10 fev. 2021