Carregando…

Revisão e rescisão contratual antecipada em shopping center na pandemia
Direito Civil Direito Processual Civil COVID-19

Publicado em 06/11/2020 09:17:04

Em casos de revisão contratual, a análise de cada caso deve ser pontual, isto é, guardando as peculiaridades de cada caso, especialmente, porque mesmo que haja a retomada das atividades comerciais não haverá a normalização das relações comerciais, devendo ser comparada a situação socioeconômica do contratante no momento do pacto contratual com o momento da execução do avençado, como bem observado por Daniel Dela Coleta Eisaqui:

[...] concilia-se ambas as preocupações recorrentes da teoria contratual – de um lado, segurança jurídica, em benefício dos tráfegos comerciais; de outro, prestígio à dignidade da pessoa humana. Conclui-se, pois, neste ponto, que a realidade vivenciada em decorrência da pandemia de coronavírus a situa como hipótese incontornável de aplicação da teoria da imprevisão. Assim sendo, é de se ressaltar, por oportuno e necessário, que a mera reabertura da sociedade, isto é, a revogação das medidas de isolamento, quarentena e lockdown, não conduz à normalização das relações. Ao contrário, os efeitos da pandemia sucederão serem sentidos ao longo do período de estabilização. É importante ressaltar que o juízo de ponderação deve ser tomado à luz do caso concreto, sem abstrações ou presunções que conduzam à inaplicabilidade do revisionismo contratual. Desta forma, pretende- -se que a perquirição de preenchimento dos requisitos deve ser realizada de acordo com as circunstâncias negociais específicas do momento em que o pacto fora originariamente firmado, atentando-se para os cenários possíveis de sucederem, e a realidade que sobreveio no momento de cumprimento do pacto, já sob vigência da disrupção derivada da pandemia de coronavírus. [...] é preciso atentar-se à situação socioeconômica do contratante no momento da conclusão do pacto, cotejando-a com a situação socioeconômica do contratante no momento da execução da avença, para concluir-se pela existência ou não da excessiva onerosidade superveniente. (Eisaqui, 2020, p. 189).

Há casos nos quais os contratos “perderam sua utilidade ou cujo objeto, na sua exata dimensão (considerando os deveres anexos), se tornou impossível antes do vencimento por um fato superveniente e fortuito: a pandemia do coronavírus” (OLIVEIRA, 2020, p. 191)

A rescisão contratual antecipada não culposa do contrato é autorizada, nos casos influenciados pela pandemia, quando a finalidade do contrato tenha deixado de existir ou se tornado impossível.

Em recente decisão de no juízo de primeiro grau, ainda pendente de recurso, foi entendido como onerosidade excessiva a manutenção do contrato. (segue anexo a sentença)

• Nesse trilhar, é inegável que a pandemia da Covid-19 afetou o comércio mundial, não sendo diferente no Distrito Federal, com alguns setores mais prejudicados dos que outros, como é o caso do ramo de restaurantes, sobremodo aqueles que não trabalhavam com sistema de entregas. Também é inquestionável que o fechamento do Shopping no dia 19/03/2020, por força do Decreto Distrital 40.520/20, afetou diretamente as receitas da parte autora, uma vez que fez cessar sua fonte de renda. Para mim, tenho que a situação acima retratada é sim, em tese, configuradora da onerosidade excessiva autorizadora da resolução do contrato, visto que de um lado tem o Shopping o direito de receber os aluguéis, enquanto de outro, o locatário está impedido de auferir a renda necessária a honrar a obrigação locatícia. TJDF. 18ª Vara Cível de Brasília - Autos n° 0711280-54.2020.8.07.0001, p. 11/08/2020.

Ainda, uma corretora de câmbio, lojista em um shopping de Londrina, conseguiu na Justiça a suspensão da exigibilidade da multa rescisória decorrente da resolução do contrato de locação celebrado com o empreendimento comercial. Ao analisar o caso, o Juiz da 7ª Vara Cível de Londrina deferiu parcialmente o pedido, suspendendo a exigibilidade da multa prevista em contrato. Na liminar, o magistrado ponderou que “a obrigação de fluxo de pessoas a cargo da administração do shopping (locador) não vem sendo integralmente cumprida em razão da pandemia COVID-19 de modo que não se pode, sob aspecto sumário, exigir do locatário – que pretende a extraordinária resolução contratual em tempos difíceis como o que vivemos – todo o rigor das disposições contratuais inicialmente pactuadas entre eles”, conforme noticiado pelo E. TJPR Notícia TJPR

E também houve deferimento da tutela concedendo desconto parcial na revisão do aluguel de clínica em shopping.

• Tutela de urgência. Deferimento parcial. Revisão de aluguel. Clínica em shopping. Desconto. Pandemia. Força maior. Possibilidade [...] Agravo de instrumento interposto da decisão que, nos autos da ação revisional de aluguel ajuizada em razão da pandemia, deferiu parcialmente a tutela de urgência para reduzir o aluguel em 50% a partir do mês de maio de 2020. 2. É possível que se façam ajustes no contrato original firmado entre as partes, para que seja viável à locatária permanecer no imóvel honrando o pagamento, mas que o locador também não fique sem a renda proveniente do aluguel, já que não se pode impor a ele que arque sozinho com o prejuízo advindo de todo esse momento de pandemia. 3. Afigura-se razoável a readequação do percentual de desconto concedido na tutela de urgência, de 50% (cinquenta por cento) para 30% (trinta por cento) incidente sobre o aluguel firmado entre as partes. [...]. (TJDF; AGI 07282.21-82.2020.8.07.0000; Ac. 129.2241; Segunda Turma Cível; Rel. Des. Humberto Adjuto Ulhôa; Julg. 14/10/2020; Publ. PJe 27/10/2020).

Via de regra, quando se mantém a utilidade e a possibilidade do contrato, além do interesse das partes, deve haver a manutenção contratual, consequentemente com revisão dos seus termos, em virtude da pandemia sem precedentes.

Em que pese o cenário seja voltado para a renegociação contratual, a realidade fática de cada caso deve sempre ser observada para não se construir um direito irreal:

«Porém, o Direito não pode unicamente limitar-se a fiar-se em soluções de jaez ético-moral, i. e., assumir postura prédica: cabe, ao revés, munir-se de uma visão voltada a solucionar o conflito decorrente da crise contratual instaurada. Impende, assim, um pensamento jurídico pragmático, atento à realidade das relações humanas: o ser humano é renitente, porfiador, não afeto a resignar-se. Por consequência, caso o Direito, na doutrina ou na jurisprudência, teça uma teoria contratual de emergência vinculada à supervalorização do dever de renegociação, restará lançado naquela utopia de que falara Fernando Birri: caminhar-se-á rumo ao horizonte sem jamais encontrá-lo.» (EISAQUI, 2020, p. 194).

Bibliografia utilizada:

• EISAQUI, Daniel Dela Coleta, Revisão Judicial dos Contratos, 2ª Edição - Revista e Atualizada, Juruá Editora, 2020, p. 189, ID:28611.

• OLIVEIRA, Carlos Eduardo Elias de. O coronavírus, a quebra antecipada não culposa de contratos e a revisão contratual. Op. cit., p. 10-11. In. Daniel Dela Coleta Eisaqui, Revisão Judicial dos Contratos, 2ª Edição - Revista e Atualizada, Juruá Editora, 2020, p. 191, ID:28611