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Penhora de bem de família para ressarcimento de crime exige sentença penal condenatória
Direito Processual Civil

Publicado em 30/11/2020 09:00:15

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a penhora do bem de família baseada na exceção da Lei 8.009/1990, art. 3º, VI (execução de sentença penal que condena o réu a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens) só é possível em caso de condenação definitiva na esfera criminal. Para o colegiado, não se admite interpretação extensiva dessa previsão legal.

A decisão teve origem em ação indenizatória ajuizada por uma sociedade esportiva e recreativa contra um antigo gestor, na qual pleiteou a reparação de prejuízos imputados ao ex-dirigente. Em primeiro grau, o réu foi condenado a pagar R$ 10 mil em razão da venda de veículo da sociedade e pouco mais de R$ 21 mil de indenização, além dos honorários advocatícios. A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).

Na fase de cumprimento de sentença, o juiz determinou a penhora de um imóvel do ex-gestor, que apresentou impugnação alegando ser o imóvel seu único bem e local de sua residência. No julgamento da impugnação, a penhora foi mantida.

O TJSP negou o recurso sob o fundamento de que a penhora seria cabível em razão da exceção prevista na Lei 8.009/1990, art. 3º, VI, pois, embora tivesse sido decretada a prescrição no processo penal relacionado ao mesmo caso, os elementos do crime permaneciam hígidos, e o réu certamente teria sido condenado, se não fosse a extinção da pretensão punitiva.

A Lei 8.009/1990 instituiu a impenhorabilidade do bem de família com a finalidade de resguardar o direito fundamental à moradia, essencial à composição do mínimo existencial para uma vida digna. No entanto, há limites para aplicação deste instituto. A Lei 8.009/1990, art. 3º, VI apresenta a exceção de impenhorabilidade quando o bem em questão for adquirido como produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória

No caso em tela, a relatora Ministra Nancy Andrighi destacou que os efeitos da sentença penal condenatória sobre o âmbito cível produzem efeitos extrapenais, tanto genéricos quanto específicos. «Os efeitos genéricos são decorrem automaticamente da sentença, sem necessidade de abordagem direta pelo juiz. Entre esses efeitos genérica, encontra-se a obrigação de reparar o dano causado, tal como previsto no art. 91, I, do Código Penal.»

Ainda, foi destacado o CCB/2002, art. 935 o qual dispõe que «a responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência de fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal», isto é, a sentença penal condenatória é o que torna certa a responsabilidade de indenizar o dano.

Por isso, por mais que a Lei 8.009/1990, art. 3º, VI expressamente afaste a impenhorabilidade quando o bem imóvel é adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens, tal exceção deve ser interpretada estritamente, haja vista que a legislação atinente ao bem de família possui natureza excepcional, dada a sua função social.

No caso debatido no REsp 1823159 aplicou-se a exceção prevista na Lei 8.009/1990, art. 3º, VI, mesmo sem a existência de sentença penal condenatória. Isso porque o Tribunal de origem afirmou que a inexistência da condenação penal ocorreu somente em razão do decurso do prazo da prescrição condenatória e, afastados os efeitos prescricionais, haveria certamente uma condenação penal.

Como asseverado pela Relatora «o Tribunal de origem, para a aplicação da exceção à impenhorabilidade ao bem de família, presumiu uma condenação penal, a qual – de fato – não existe. Fez isso a partir dos elementos contidos nos autos, que seriam fortemente inclinados a demonstrar o cometimento de ato ilícito pelo recorrente. No entanto, não há como afastar que sobre ele não existe nenhuma sentença penal condenatória e, portanto, a aplicação da exceção mencionada foi fundamentada em simples presunção.»

Diante disso foi afastada a aplicação da exceção à impenhorabilidade prevista na Lei 8.009/1990, art. 3º, VI, vez que não pode ser presumida, pois impossível a interpretação extensiva do dispositivo.

Essa notícia refere-se ao processo: (REsp 1823159, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/10/2020, DJe 19/10/2020).